Link: o crime de não ser mulher

É por isto que não podemos ter coisas boas.

Se havia alguma coisa que se queria da Nintendo era informação concreta sobre o novo The Legend of Zelda e uma demonstração e foi isso que a Nintendo ofereceu. O jogo quebrou com a fórmula rígida, substituiu os elementos de magia por tecnologia e abriu o mundo à exploração, seja a escalar montanhas, a nadar em rios ou a atravessar vales e prados no dorso de um cavalo. Pela primeira vez, tenho pena de não ter uma Wii U. O que pode ter corrido mal então?

Tudo, aparentemente, mas só me tenho a culpar a mim mesmo pela ingenuidade. Afinal isto é a Internet e se há coisa que a era digital nos ensinou é que a crítica negativa é sempre mais viral e rentável do que o elogio. O site The Verge fez o trocadilho ao chamar ao jogo The Zelda Scrolls, investindo os primeiros parágrafos em comparações absurdas com os títulos da série da Bethesda e outros. Exigia-se que Zelda se modernizasse, a Nintendo fê-lo, mas parece que se exigia que reinventasse todo um género, ainda para mais o de RPG, em vez de procurar inspiração nas mecânicas populares dos melhores exemplos que a indústria tem.

Noutra frente, o Polygon, site que se propôs a quebrar com uma mentalidade e uma postura estagnadas no jornalismo dos videojogos, uma vez mais joga a carta do feminismo radical e condena a ausência de escolha do sexo de Link e a justificação oferecida por Aonuma, director do jogo. A bem falar, a desculpa não foi a coisa mais eloquente, mas a verdade é que não devia ter sido necessária sequer. Link tem genitais masculinos (seja ele de que raça for), a série joga com a fórmula de um herói que salva o mundo, de vez em quando a princesa, e haverá outros estereótipos batidos pelo jogo. Não por isso, num ano em que não faltaram protagonistas do sexo feminino e de etnias minoritárias, a acusação de sexismo contra a Nintendo parece nada menos do que disparatada.

Já o dissemos aqui incontáveis vezes, tantas que quase me sinto na obrigação de pedir desculpa por tocar no assunto se novo, mas os produtores têm de manter total liberdade criativa e não ter de agradar cada movimento de indignados. Os videojogos não devem ser um palco político-social. Tão pouco os produtores e editoras devem ceder perante o bullying desgovernado de jornalistas, críticos e opinadores. Se Aonuma se prestou a tentar explicar a escolha (ou não escolha) do sexo de Link, foi só para não responder que a pergunta sobre tal assunto não tinha pés nem cabeça.

A cara que o Link faz quando começa a pensar que poderá ter de fazer uma operação para mudar de sexo, tendo em conta a recente polémica.
A cara que o Link fará quando, nas próximas semanas, o informarem de que vai ter de mudar de sexo porque… bom, porque sim. Ser homem não é trendy.

Porque é que Link não pode ser mulher? Porque é que tem de o ser? Toda esta campanha e consequente proteccionismo da figura feminina nos videojogos é excessiva e desequilibrada. Em Tomb Raider, uma jovem e atraente Lara encontra-se numa situação de potencial violação. É um perigo real para uma homem na prisão, quanto mais para uma rapariga nas mãos de piratas, mas os produtores viram-se obrigados a dizer que não tinha sido essa a intenção. Peta! A parte mais triste é que se exige dos criativos protagonistas femininas e quando realmente a personagem é pensada e criada tendo em conta a realidade de uma mulher como Lara com a sua idade e experiência em situações precárias, alto e pára o baile porque um protagonista homem nunca estaria naquela situação.

O “jornalista” que tentou roubar a demo de Breath of the Wild não pareceu muito preocupado com o sexo de Link. Falta de profissionalismo, realmente.

Na verdade, parece que o que queremos são homens com cara de mulher e isso já entra por campos que não me apetece explorar. Ainda com o exemplo de Lara, aos 19 anos é uma exploradora mais capaz do que eu alguma vez fui ao longo dos meus 29. Não digo que a serem protagonistas as mulheres tenham de ser mais frágeis ou vulneráveis. Mas a ser Lara não quero que a história dela pudesse ser a de Drake. E é essa a questão com The Legend of Zelda: Breath of the Wild. A história é a de Link, uma personagem que sempre foi masculina e que não tem razão para deixar de o ser. O sexo não importa, importa a história.

A ter de achar alguma coisa, acho que o próximo FIFA é um suspeito mais provável de racismo, ao estrear o modo história com um afro-descendente de origens humildes do que Zelda o é de sexismo. E se quisermos ser mais ridículos ainda nesta demanda de Social Justice Warriors podemos ainda perguntar: que direito temos de exigir que os produtores japoneses criem histórias, mundos e personagens à medida dos nossos valores ocidentais? BOOM! E esta, hem?

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