Glitch Review | Uncharted 4: A Thief’s End

Os críticos louvam Uncharted 4 e a comunidade tenta banir uma opinião dissidente do Metacritic, enquanto no meu feed do Facebook são mais que muitas as imagens de A Thief’s End. A minha experiência com o mais recente jogo da Naughty Dog, por outro lado, acabou em desilusão. Não li nenhuma análise, vi as notas anunciadas em vídeos de lançamento e publicidade. Não foi o hype que me elevou as expectativas, foram os três jogos anteriores que a criaram. Confortavelmente alheio às campanhas de promoção, esperava a experiência inconfundível da série, mas Uncharted 4: A Thief’s End quebra em alguns aspectos (fulcrais) a linha traçada pelos seus anteriores. Para muitos, a julgar pelas notas e recepção junto dos jogadores, a nova abordagem foi um sucesso. Eu, infelizmente, fiquei desiludido.

UC4 - Selo_Análise2

É uma posição estranha a minha, que defendo a originalidade na indústria. Cada jogo deve procurar uma identidade própria e essa originalidade pode ser uma mistura de temas e sistemas já conhecidos. A marca de Uncharted é o ritmo do jogo – sequências de combate gradualmente mais tensas intercaladas por puzzles com estruturas e engenhos impossíveis – e o tema da narrativa – Indiana Jones dos tempos modernos (leia-se: um anti-herói bem disposto, que nos faz esquecer que passamos horas a matar outras pessoas enquanto procuramos roubar tesouros míticos para proveito próprio).

O meu problema com Uncharted 4 é o jogo desviar-se demasiado da fórmula estabelecida pelos três títulos que o precedem. É uma crítica que muitos dirão injusta, mas que separa o quarto título dos restantes no tom e no estilo de história que conta e da acção que oferece. A caça ao tesouro lendário está lá, mas não há cruzamento entre o mito e realidade. O primeiro tinha os monstros dos laboratórios nazis e a maldição da estátua El Dorado; o segundo tinha os pseudo-yetis, que afinal eram guardas em esteróides, a árvore sagrada; e o terceiro tinha demónios, que fomos a ver e eram alucinações de Drake – a água é que estava contaminada. Uncharted 4 tem um tipo que herdou a fortuna dos pais e que claramente tem um quê de sociopata e uma cabecilha de um grupo de mercenários sul-africanos que sabe uns golpes de krav maga.

Isto do bem comum é tão séc XX, agora os millennials são mais selfies e umbigo. Qual museu qual quê! Isso de tesouros lendários são bons é num armário fechado à chave.
Isto do bem comum é tão séc XX, agora os millennials são mais selfies e umbigo. Qual museu qual quê! Tesouros lendários são bons é num armário fechado à chave.

De igual forma, o ritmo abranda neste que se esperava o adeus com um “bang”. Vários dos capítulos do jogo são longas sequências de plataformas – algo que era secundário nos anteriores – e de exposição narrativa, e a introdução da abordagem furtiva torna os encontros com inimigos num jogo de paciência que simplesmente não pertence inteiramente ao universo de Uncharted. É algo facultativo, não nego, mas a resposta da IA (que faz jus à “inteligência” do termo) a uma abordagem de “armas no ar” é tão agressiva e eficaz, com direito a reforços, que o jogador sente a opção furtiva como uma sugestão muito forte.

Mais do que uma influência, sente-se o estilo tão próprio de The Last of Us: a narrativa mais negra e madura – com várias escolhas questionáveis e muitos clichés –, centrada nas relações dos protagonistas em vez de na aventura e o passo controlado que pretende criar tensão. Pretende, mas não consegue, porque Uncharted não é The Last of Us e a jogabilidade não pede um ambiente sufocante de terror, mas a acção compassada de um filme de acção realizado por Spielberg. As personagens, essas estão lá e foram tratadas com eficácia, que sem dúvida deverá à experiência não só da Naughty Dog, mas também da familiaridade que os actores de voz têm com os seus alter egos. O cenário é realmente esplendoroso e os inúmeros detalhes de animação como Drake a trocar o gancho de mão ou a guiar o jipe deslumbraram-me ao ponto de garantir que eu reservei o benefício da dúvida até ao momento final.

"Nem fala do multiplayer, nem nada!" 60 fps e cenários com gancho - fixe - mas co-op em falta. Vem quando vier, dizem.
“Nem fala do multiplayer, nem nada!” 60 fps e cenários com gancho – fixe – mas co-op em falta. “Vem quando vier”, dizem. Pode ser que vire moda lançar jogos aos bochechos.

A minha desilusão não surge como pretensão de ser polémico entre o meu círculo de amigos, mas a verdade é que Uncharted 4, a meu ver, apesar de ser um bom jogo, falhou no que faz da série esta série. Na comunidade dos videojogos, como um pouco por toda a Internet, reina a ditadura da apreciação homogénea. A liberdade de expressão vale quando a opinião do outro reforça a minha. Qualquer argumento dissidente é inválido e, por isso, imediatamente atirado por terra pela única razão de ser diferente. Por vezes, isto faz com que a opinião contrária ganhe um protagonismo desmesurado e há quem opte por se exprimir em extremos porque é isso que garante que o resto da Internet presta atenção. Uns fazem-no com sentido de humor (Yahtzee), outros com um pretensiosismo que calha bem em “rants” com veia activista e de protesto, mas não em análises (Jim Sterling).

Pessoalmente, é-me quase indiferente a opinião de outras pessoas. Quem gostou está contente – muitos andarão a gritar GOTY aos sete ventos – e quem, como eu, ficou desiludido vai ficar com aquela sensação de que Uncharted 4 falhou o alvo e soube a pouco. Com ideias tão boas e bem implementadas – os cenários mais abertos, mecânicas de tiro mais reais, o gancho e os puzzles mais exigentes – é realmente pena acabar o jogo a sentir que faltou acção e que o design dos níveis não estava à altura do que a Naughty Dog nos habituou com Uncharted. É um bom jogo? Sim, sem dúvida, e belíssimo acima de tudo – aqueles detalhes de animação… Meu Deus! –, embora não seja o regresso do Messias como anunciado pela comunidade e pela crítica em geral. Mas não é um Uncharted, ou pelo menos eu não o senti como um Uncharted. O texto é meu, eu escrevo o que quero!
#notmyuncharted

A escala utilizada é de 1 a 10
A escala utilizada é de 1 a 10

Deixe um comentário